Conhecendo e Testemunhando

W. H. Griffith Thomas

Então, ele disse: "O Deus de nossos pais, de antemão, te escolheu para conheceres a sua vontade, veres o Justo e ouvires uma voz de sua própria boca, porque terás de ser sua testemunha diante de todos os homens, das cousas que tens visto e ouvido." (Atos 22:14,15)

Quando o Senhor encontrou Saulo de Tarso no caminho para Damasco, Saulo fez duas perguntas ao Senhor: "Quem és tu, Senhor?" e "Que farei, Senhor?" A primeira pergunta expressa o desejo de um conhecimento pessoal daquele que lhe apareceu. A segunda pergunta expressa disposição de fazer a Sua vontade.

Essas duas perguntas, que estavam tão intimamente ligadas por ocasião da conversão do apóstolo Paulo, permaneceram inseparavelmente associadas no restante da sua vida sobre a terra. Assim deve ser na vida de cada cristão. O primeiro passo da vida cristã deve ser seguido por um relacionamento para toda a vida com Aquele que revelou a Si mesmo para nós. A segunda pergunta:"Que farei eu, Senhor?" praticamente resume toda a vida cristã a partir do momento em que uma pessoa se converte ao Senhor. O apóstolo descobriu que o segredo da paz e poder, da satisfação e do serviço reside naquele desejo de, ao longo de toda a vida, conhecer e fazer aquilo que o Senhor Jesus iria lhe revelar.

Em primeiro lugar, temos aqui o propósito divino. Aprouve ao Deus de nossos pais tornar a Sua vontade conhecida a nós. Este é o propósito divino para cada um de nós - que conheçamos a Sua vontade. A vontade de Deus é a primeira e também a última coisa em Sua revelação para nós. Conhecer e fazer a vontade de Deus é tudo. De acordo com o livro de Salmos, o Messias que haveria de vir fez a seguinte declaração: "Eis aqui estou, agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu."

Quando Deus descreve o homem ideal, Ele usa as seguintes palavras:"homem segundo o meu coração, que fará toda a minha vontade." A primeira parte da oração-modelo que o Senhor Jesus ensinou a todos os Seus discípulos em todas as gerações está relacionada com o propósito e glória divinos e tem como ponto culminante a declaração: "Seja feita a Tua vontade." Da mesma forma, em relação à salvação da humanidade, está escrito: "Assim, pois, não é da vontade de vosso Pai que pereça um só destes pequeninos." Deus deseja que todos os homens cheguem ao conhecimento pleno da verdade. No que diz respeito à santificação do crente, está escrito: "Pois essa é a vontade de Deus: a vossa santificação." E, com relação ao futuro, à nossa morada celestial, lembramos imediatamente das palavras do Mestre: "Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste...". Sendo assim, em todas as coisas e de todos os pontos de vista, conhecer a vontade de Deus é tudo. A vontade de Deus dá alegria, dignidade, poder e glória para a vida. Como somos encorajados, até mesmo na realização daquelas tarefas que costumamos chamar comuns e triviais, quando percebemos que todas as coisas em nossa vida diária estão, de uma forma ou de outra, incluídas na vontade de Deus!

Há um hino intitulado "Seja feita a Tua vontade", que, apesar de muito bonito, contém uma inverdade, pois apresenta em seus versos um ensino inadequado a respeito da vontade de Deus. Esse hino foi escrito por uma irmã, cuja vida foi caracterizada pelo sofrimento, e nós sabemos que, para esta irmã específica, era da vontade de Deus que ela passasse por aquela experiência de sofrimento. Contudo, de acordo com o ensino da Palavra de Deus, um outro aspecto deve ser considerado: na vontade de Deus estão incluídos tanto a ação quanto o sofrimento. Não precisamos esperar a vinda de "dias melhores" a fim de cantarmos "Seja feita a Tua vontade." Mais do que meramente suportar o sofrimento de acordo com a vontade de Deus, nós podemos, aqui e agora, não somente cantar, mas fazer a vontade de Deus.

É propósito de Deus que nós conheçamos a Sua vontade. Essa deve ter sido uma lição surpreendente para Saulo de Tarso. Ele pensava que conhecia a vontade de Deus. Sendo judeu e membro do Sinédrio, Saulo deveria conhecer a vontade de Deus. No entanto, Ananias, aquele humilde discípulo, foi enviado a Saulo e lhe falou a respeito do "Deus de nossos pais." Saulo estivera equivocado. Ele pensava conhecer a vontade de Deus, mas não a conhecia. Há muitos cristãos hoje em dia que se encontram exatamente nesta mesma posição. É possível que eles sejam cristãos já há muitos anos; talvez eles se sintam orgulhosos do conhecimento que possuem, de sua ortodoxia, de sua participação nas atividades da igreja, da posição que eles ocupam entre os demais irmãos. Contudo, eles ainda não conhecem a vontade de Deus. É possível que esses irmãos venham, durante esta semana, a receber uma tal revelação da vontade de Deus que vai surpreendê-los completamente. "...se não vos tornardes como crianças..." - essa é a condição para conhecermos a vontade de Deus. Mas nós, como Naamã dizemos:"Pensava eu ...", e é exatamente nessa forma de pensar que reside o nosso equívoco. Nós dizemos: "Eu pensava que cristianismo era assim; ou dizemos: "eu pensava que nisso consistia a santidade..." ou ainda: "eu pensava que ser membro da igreja significava agir dessa forma ... eu pensava que a vida cristã, a pregação e a obra eram tais e tais coisas ..." Como Naamã, dizemos: "Pensava eu...!" Talvez, antes ainda que chegue o fim-de-semana, muitos venham a conhecer a vontade de Deus de um modo como nunca a tinham visto anteriormente - o propósito divino passará a ser parte de suas vidas.

Em segundo lugar, temos o plano divino: ver o Justo e ouvir a voz de Sua própria boca. Ouvir a Sua voz para agir de acordo com o propósito divino. Esse era o plano divino. Primeiramente, o contato pessoal com Jesus Cristo - ver o Justo. A visão de Jesus Cristo passaria a ser tudo para Saulo de Tarso ao longo de toda a sua vida. Mas como Saulo deveria ver a Cristo? Como "o Justo!" Sabemos que, às vésperas de Sua crucificação, nosso bendito Senhor falou a Seus discípulos que o Espírito seria enviado a fim de convencer o mundo da justiça "porque eu vou para o Pai." Naquela época, o mundo tinha a impressão que Jesus Cristo era um "injusto" e o mataram. Eles pensavam seriamente que Ele era injusto, um blasfemador e, por isso, o rejeitaram. Mas Deus o levantou de entre os mortos, porque Ele era o Justo. Além disso, ele não poderia ter ido para o Pai caso não fosse justo. Ele disse que o mundo seria convencido do pecado porque: "eu vou para o Pai."

Saulo de Tarso estava plenamente convencido deste fato. E Saulo ouviu a voz lhe dizer:"Eu sou Jesus, o nazareno, a quem tu persegues." Se o Senhor tivesse dito: "Eu sou o Filho de Deus a quem tu persegues, "Saulo poderia responder: "Eu nunca te persegui!" Mas o Senhor disse: "Eu sou Jesus de Nazaré" -- nome este que odeias -- "a quem tu persegues." Assim, foi revelado a Saulo que Jesus de Nazaré estava com o Pai e, portanto, era justo.

Jesus, o Justo -- é apenas um outro modo de dizer: "o Senhor, nossa justiça." Ainda é plano de Deus que cada um de nós tenha contato pessoal com Cristo como o "Senhor, a nossa justiça". A visão do "Senhor, nossa justiça " nos purifica. A visão do "Senhor, nossa justiça" -- nos santifica, nos qualifica e glorifica. Será que você, querido irmão, já teve esta visão? Será que nós já vimos o Senhor como nossa justiça para um passado cheio de culpa? Será que já o vimos como nossa justiça para o presente manchado pelo pecado? Será que o conhemos como nossa justiça tendo em vista um futuro perfeito?

Ver o Justo - eu não tenho dúvida alguma que, durante esta semana, muitos verão o Justo. Eles o verão, talvez, em primeiro lugar para sua justificação e, depois, também o verão para a sua santificação.

É preciso vê-lo para nossa justificação. Não aprenderemos nenhuma lição sobre a santificação a menos que, em primeiro lugar, tenhamos conhecido o Senhor como nossa justiça, para nossa justificação. Romanos 3 e 4 devem vir antes de Romanos 6 a 8. A porta de entrada é a justificação, não a santificação. A ordem divina não é justificação através da santificação, mas o contrário, ou seja, santificação através da justificação, através da visão do "Senhor, a nossa justiça!"

Receber uma comunicação pessoal de Jesus Cristo também era parte do plano - Saulo não deveria apenas ver o Justo, mas também "ouvir a voz do Senhor." Que tremendo golpe isso deve ter sido para o orgulho de Paulo - ouvir a voz de Sua boca, a voz do Nazareno, a voz daquele a quem Saulo estivera perseguindo. Saulo deveria ouvir a voz da vontade de Deus através da voz do Nazareno. Naquela manhã, a caminho de Damasco, Saulo descobriu que havia mais coisas no céu e na terra do que ele, em sua filosofia, jamais havia imaginado. Deus tinha um novo modo de revelar a Sua vontade; Saulo deveria "ouvir a Sua voz." Da mesma forma deve ocorrer hoje. Sem dúvida alguma ouviremos, no decorrer desta semana, muitas palavras de Cristo através de Seus servos. Mas isso não será suficiente. Nós precisamos ouvir a voz da Sua boca, devemos ter contato com Cristo através de Sua Palavra; temos de encontrar-nos com Cristo diretamente, face a face e ouvir a voz de Deus falando pelo Espírito Santo.

Em terceiro lugar, temos o projeto divino : "porque terás de ser sua testemunha diante de todos os homens, das coisas que tens visto e ouvido." Esse é o ponto culminante. O propósito e o plano conduziram a este projeto. O que significa "...terás de ser Sua testemunha"? Ser testemunha não significa ser um juiz. Saulo estivera tentando realizar o trabalho de um juiz, e o resultado foi um desastre. Saulo deveria ser não um eco - vago, vazio e sem utilidade prática, não um filósofo, nem mesmo um teólogo, mas uma "testemunha". Tudo o que Deus nos dá, tudo o que Deus nos diz tem como propósito que sejamos testemunhas de Cristo, dando nosso testemuho acerca dele. Provavelmente nenhuma outra palavra seja usada com tanta freqüência no Novo Testamento a fim de expressar o que o cristão deve ser e fazer.

Uma testemunha - alguém que tem conhecimento direto; uma testemunha - alguém que tem experiência pessoal; uma testemunha - alguém que fala e vive tendo conhecimento obtido através da experiência, alguém que fala e vive fielmente, com franqueza e sempre destemido. Somos pais? Devemos ser testemunhas. Nossa autoridade como pais fracassa na mesma proporção em que não temos autoridade como testemunhas. Somos mestres? Só ensinaremos com autoridade quando o que ensinarmos for resultado de algo que experimentamos pessoalmente. Somos escritores? Nossos escritos devem refletir nossa experiência pessoal. O motivo pelo qual atualmente tantos livros sobre a Bíblia e assuntos teológicos são tão secos, insípidos, sem proveito e não convincentes, é porque eles não têm aquela marca do testemunho pessoal por trás dos aspectos da verdade que desejam apresentar. Somos filósofos - recebemos da parte de Deus habilidade intelectual, capacidade para escrever e falar? Nossa filosofia não terá qualquer utilidade, a menos que seja baseada em experiência pessoal. Somos líderes na igreja ou na comunidade? Deus nos concedeu capacidade para administrar? Tais habilidades de nada servirão a menos que nossa vida esteja permeada com o brilho de algo experimentado pessoalmente.

"Terás de ser sua testemunha". Mas em que cirscunstâncias? "Diante de todos os homens." Nosso primeiro testemunho deve ser em nossa casa. Aqueles que estão mais próximos de nós, nossos familiares, estarão nos observando cuidadosamente. Eles desejarão saber o que o Senhor Jesus é para nós - se nós vimos o Senhor, se nós ouvimos Sua voz.

Também teremos de ser testemunhas em nossa congregação. Deveremos declarar o que Deus fez por nossas almas; seja em nossa pregação, seja em nossa prática na vida e obra da igreja, este grande testemunho pessoal de Cristo deve permear todas as coisas.

Possivelmente teremos de ser testemunhas na cidade em que vivemos, posicionando-nos a favor da moralidade, justiça social e pureza. Tenho absoluta certeza que a expressão "diante de todos os homens" significará para alguns trabalho missionário, o qual consiste basicamente na obra de testemunhar. Não apenas a obras de ensinar e treinar obreiros, mas testemunhar a todos os homens acerca das coisas que temos ouvido e visto. O poder disso é incalculável. Em primeiro lugar, o poder do testemunho pessoal é algo para nós mesmos. O apóstolo Paulo está narrando esta história em Jerusalém muitos anos depois de ter recebido aquela visão, mas à medida em que ele faz o seu relato, aqueles eventos retornam à sua memória tão vivos e cheios de significado quanto no momento em que ocorreram. Assim também deve ser conosco quando olhamos para trás. É possivel que já tenha se passado dez, quinze ou vinte anos desde que nos convertemos, mas nós não devemos ficar vivendo meramente de lembranças. Nós devemos voltar com alegria ao fundamento e aos fatos de nossa experiência pessoal e, nela, encontrar a promessa de todas as coisas em nossa vida cristã. Nós temos de ser capazes de dizer: "Eu sei em quem tenho crido". À medida que contamos a história daquilo que Deus tem sido ao longo de todos aqueles anos, nossa fé será fortalecida, nossa confiança arraigada e alicerçada em Cristo. E, apesar de todas as tentações para duvidar e entrar em desespero, nós olharemos para o Senhor e diremos:

Aquele que experimentou o Espírito do Altíssimo,
Não pode confundir-se, nem dele duvidar ou negá-lo;
Ao contrário, negue, em alto e bom som, o mundo,
Permaneça, pois, ao Seu lado.

Em segundo lugar, o poder do testemunho pessoal é algo para os nossos semelhantes. O testemunho de nossa expêriencia pessoal é um argumento a favor do cristianismo que não pode, de modo algum, ser questionado. Paulo estava em Jerusalém entre seus velhos amigos. Havia uma multidão à sua volta. Seria aquele um momento para " expressar sua eloqüência? ou habilidades pessoais, ou capacidade de argumentar?" Não, Paulo usou aquela oportunidade para uma só coisa: um testemunho pessoal daquilo que Jesus Cristo era para ele. Não há maior inimigo para o cristianismo nos dias de hoje do que uma mera confissão. Não há maior desonra para o cristianismo atualmente do que alguém proclamar-se cristão e, ao mesmo tempo, não viver o cristianismo na vida diária. Não há maior perigo hoje em dia no mundo cristão do que falarmos a favor da Bíblia e, no entanto, negarmos a Bíblia pelo nosso modo de vida. Não há maior empecilho para o cristianismo hoje do que defender a ortodoxia, seja qual ela for e, ao mesmo tempo, negá-la pela secura e indiferença com que defendemos nossa causa.

Oh, este poder do testemunho pessoal - ter o coração cheio do amor de Cristo, a mente saturada com o ensino de Cristo, a consciência sensível à lei de Cristo, ter todo o nosso ser resplandecendo com a graça e amor de nosso Senhor Jesus Cristo! Esse é o propósito de Deus, esse é o plano de Deus para nós.

Quando santidade e serviço estão presentes, então a felicidade necessariamente também estará presente. Assim, nós também devemos conhecer, ver, ouvir e então ser testemunhas. Nós estamos agindo dessa forma? Há pessoas no mundo ao nosso redor que nunca abriram uma Bíblia. Eles nunca leram a Bíblia, mas estão lendo as nossas vidas. Será que as pessoas podem ver Deus em nossas vidas? Elas podem olhar para nós e dizer: "Eis alguém que me lembra a Cristo". Estamos nós permitindo que nossa luz brilhe para que os homens possam ver, não a nós, mas nosso Pai, nosso Salvador em nós; e glorificar, não a nós, mas nosso Pai que está no céu? Esse é o real teste de uma conferência como esta. Portanto, vamos viver na presença de Deus; vamos entregar-nos ao Cristo de Deus; vamos nos manter bem próximos à Palavra de Deus; recebamos em nossos corações a graça de Deus, busquemos a plenitude do Espírito de Deus e, então, vivamos ainda mais intensamente para a glória de Deus.